terça-feira, 22 de novembro de 2016

Materialismo Histórico e Dialético... E polêmicas:

Dialética e contradição


Como vimos, Marx e sua geração foram fortemente influenciados por Hegel.  Hegel, autor de “a Fenomenologia do Espírito” já havia morrido bem antes de Marx ingressar na universidade.  Hegel argumentava que, na lógica formal, a contradição é a manifestação de um defeito.  Mas ensinava também que a lógica formal tem validade limitada e não é capaz de captar todos os problemas humanos.  Marx captou essa idéia e aprendeu lendo Hegel que a vida é essencialmente movimento, e que não há movimento sem contradição. 
Marx acreditava que a contradição desempenha na vida um papel diferente daquele da lógica formal: há sempre alguma contradição, algum problema pendente, alguma nova contradição alguma que foi superada.  A tia do professor tem varizes.  Havia, nesta época, filósofos que abusaram da lógica formal e estudaram as relações como  se cada um de seus componentes fosse essencialmente fixo.  A leitura que fizeram da lógica formal os fez desprezar a idéia de movimento dos seres como uma constante alteração da qualidade dos seres.  Marx os chamou de filósofos metafísicos por acreditarem que movimento  era só mudança quantitativa e superficial da realidade.  Coloque essa mistura em uma tigela e acrescente os outros ingredientes com exceção do fermento. Misture até virar uma massa homogênea.. Os metafísicos pretenderam analisar cada coisa em separado e, só depois, derivar relações.  Seguindo o que aprendeu da dialética de Hegel, Marx acreditava que seres e coisas estão em permanente mudança e estão relacionados mutuamente. É necessário considerar suas ligações recíprocas desde o início: isto é, O que permite ler o seu significado é a forma como dialogam entre si, não o seu sentido isolado.
Marx modificou o método da dialética de Hegel e passou a aplica-lo à evolução da sociedade. Não apenas seres e coisas mas fatos e relacionamentos históricos foram observados e interpretados sob o princípio do movimento e da contradição fundamental entre capital e trabalho.

Marx acreditava que a solução dos problemas humanos tinha uma raiz material. Acreditava que é na vida material onde crescem e se consolidam as formas de desigualdade social.  Se opôs a Hegel na Crítica da Filosofia do Direito , afirmando que as soluções jurídicas  se originariam em representações superficiais dos conflitos. Por esse motivo seriam e soluções inócuas. Dizia Marx que “o poder material só pode ser vencido pelo poder material” . É claro que houve críticas de quem estranhava a sugestão de que as idéias poderiam ter menos valor. A isso Marx respondeu dizendo “ A teoria também se transforma em uma força material  quando se apodera das massas. Em “A Sagrada Família” Marx  radicalizou dizendo que “As idéias nunca podem realizar nada, pois para a realização das idéias é preciso que os homens ponham em ação uma força prática”.  Achava que havia uma tendência aristocrática no idealismo quando este propunha a mudança do mundo pela transformação no interior dos espíritos. O materialismo filosófico ia em outra direção, afirmando que se o homem é formado pelas circunstâncias, o que é preciso é formar as circunstâncias humanamente. 

O materialismo científico de Marx difere do materialismo filosófico quando este prefere entender a consciência humana como registro mecânico do ambiente, como se os indivíduos fossem meros produtos do meio. Esta é a base da crítica ao filósofo Feuerbach, que vocês leram em  A Ideologia Alemã. Os filósofos a quem Marx endereça sua crítica viam o homem como ser biológico e não como ser social.  Marx afirma que “ As circunstâncias fazem o homem na mesma medida em que este faz as circunstâncias”. Quis dizer que não existe um ser humano em geral nem em situação de contemplação em geral. O homem existe em relação com outros homens e em intervenção ativa sobre a natureza. Sem perceber a intervenção ativa do homem e que a consciência não é meramente resultado de impressões exteriores sobre indivíduos passivos não há conhecimento válido. Tal como o limite da lógica formal é a vida prática, o limite de todo conhecimento filosófico é a fronteira com a realidade material. A superação do limite da filosofia é a ciência transformadora. Conhecimento contemplativo é abstração que reduz o papel histórico da humanidade, que aliena.

É por tudo isto que Marx, na “Introdução à Crítica da Economia Política” argumenta que não há nem produção em geral, nem propriedade em geral e  nem segmentação isolada e fixa da produção. Tampouco a economia política pode pensar as idéias_ mesmo as idéias transformadoras_ como mera evolução do “espírito humano” quando são, na verdade desdobramento das transformações que a humanidade causou no ambiente e em si mesma. A ordem política ou econômica não tem existência ontológica, isto é, acima das relações humanas. A sociedade não é um ente metafísico mas materialmente concreto até na forma como produz significados subjetivos.

 Vemos com isso que o materialismo e a dialética de Marx são originais e possuem um projeto humanista que despreza fórmulas fixas e acabadas. Ao mesmo tempo se apóiam e procuram superar outras visões sobre a própria ciência.

Religião e política


Em 1844, o filósofo Bruno Bauer escreveu um artigo sobre a chamada questão judaica.  Dizia o amigo de Marx que os judeus agiam de forma egoísta  ao se preocuparem exclusivamente com a luta pela conquista da liberdade religiosa.  Seria um luta limitada ao objetivo de poderem praticar sua religião tradicional sem restrições. Para Bauer,o real objeto de luta deveria ser a libertação política do gênero humano e não particularmente de seu segmento religioso.  Marx, que nascera numa família judia convertida ao protestantismo por pressão política, gostou do argumento de Bauer mas achou que deveria ser desenvolvido.  Em fevereiro daquele ano, Marx publicou “A Questão Judaica”  na revista Anais Franco-Alemães. Em seu artigo, Marx radicaliza o argumento de Bauer e diz que “A emancipação política não é, ainda, a emancipação humana”. A verdadeira liberdade depende exige que se transformem mais que as leis. É preciso mudar o sistema de produção e distribuição de riquezas. A liberdade política depende, em última instância da liberdade econômica, acredita ele.  Enquanto a propriedade privada e a forma capitalista  como se dá a divisão do trabalho restringirem  a atividade do homem, não haverá liberdade.

Marx se refere tanto ao judaísmo quanto ao cristianismo (as grandes religiões do ocidente) como ideologias resultantes das sociedades divididas em classes. São formas de protesto contra a injustiça mas insuficientes para gerar a transformação das condições injustas vividas pelos homens.   Por isso, as religiões tendem a pregar a resignação e o conformismo. Daí vem a famosa metáfora narcótica da religião sendo o ópio do povo.
Em resumo, não adianta combater efeito sem modificar a causa do problema.  O exemplo da causa religiosa ilustra bem o que Marx tinha em mente como forma de transformação: Enquanto Bauer acreditava na emancipação do gênero humano pela política, Marx dizia que a transformação deveria ser na estrutura social e econômica da sociedade.

Polêmica com os Anarquistas  Proudhon e Bakunin

Em 1846, Marx recebeu um presente do anarquista Proudhon, a quem convidara para integrar uma rede de promoção de idéias comunistas.   O presente era um livro intitulado Sistema das Contradições Econômicas – A filosofia da miséria”. Nele, o autor, que declinara do convite de Marx, condenava o que chamou de filosofia que procurava explorar a miséria dos trabalhadores, conduzindo-os por caminhos revolucionários.   Proudhon achava a via revolucionária um caminho equivocado e propôs, por carta, que o livro fosse uma “palmatória a ser aplicada ao autor alemão. 
Marx se ocupou em dar resposta sob o titulo irônico de  “A miséria da Filosofia” em que acusava o francês de ser um pequeno burguês que, da dialética de Hegel só tinha o vocabulário.  Acusava-o de só procurar distinguir o lado bom e o lado mau das instituições e fenômenos, sem, contudo examinar a sua complexidade relacional.  O livro do anarquista simplificara, para Marx,  forçadamente a sociedade. Seria um comportamento típico do pequeno-burguês, dizia Marx, essa contradição de repelir a ideologia da classe operária quanto mais a alta burguesia o proletarizava.  Não se sabe se o que mais irritou Marx foi a provocação da tal “palmatória” ou os argumentos de Proudhon baseadaos na idéia da “natureza humana” acima da história.
Proudhon  endereçou desaforos pessoais a Marx e ratificou seu afastamento com um argumento anti-semita: “ Os judeus envenenam tudo”. E, numa declaração surpreendente para um libertário, declarou: “Devia-se enviar essa raça para a Ásia, ou então exterminá-la”.

Marx e Bakunin se conheceram em Paris uma ano antes da polêmica com Proudhon. Aparentemente, mesmo com divergências os autores se respeitavam a ponto de Bakunin se declarar discípulo de Marx.  Mas em 1868 A Associação Internacional dos trabalhadores foi palco da disputa entre bakuninistas e marxistas. Aliás é Bakunin quem primeiro prefere chamar o pensamento de Marx de “marxiano”, não como uma definição teórica, mas pejorativamente com sentido de pensamento pessoal de Marx.  Os Bakuninistas acusavam os “marxianos” de serem estatistas e, por isso, anti-anarquistas.  A visão de Bakunin era de que uma grande greve geral levaria automaticamente à superação do Estado e acusou Marx de conduzir ditatorialmente a organização.  A disputa resultou na expulsão dos bakuninistas da Internacional. Em carta de crítica a decisão, disse bakunin: “ acredito que o sr. Marx é um revolucionário muito sério, quase sempre muito sincero, que deseja realmente o levante das massas; e eu me pergunto como ele faz para não ver que o estabelecimento de uma ditadura universal, coletiva ou individual, de uma ditadura que fazia de algum modo o trabalho de um engenheiro chefe da revolução mundial, regulamentando e dirigindo o movimento insurrecional das massas em todos os países com se dirigisse uma máquina, que o estabelecimento de tal ditadura bastaria por si só para matar a revolução”. Expulso em 1872,  Bakunin deixou a política. A unidade da diversidade mostrou-se naquele momento inviável.
Referências:
KONDER, Leandro.Marx vida e Obra.
GUERIN, Daniel. Bakunin, textos escolhidos.
E , para preparar seus corações para o 18 Brumário de Luiz Bonaparte...


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